terça-feira, março 22, 2005

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Como as coisas parecem não melhorar aqui pelo Burgo (a não ser o Sol que voltou), decidi avançar para o segundo prato, nesta rubrica, por ora apelidada Não se servem meias doses. Estimada Rititi, traga o vermute para a mesa que a coisa recomeça.

Antes de enfrentar o conduto propriamente dito, repasso ainda algumas notas sobre a o aperitivo da semana passada, a mítica Francesinha.
Escreve a Rititi que a Francesinha não é simples, refere a inefabilidade do fiambre (por mim sorrateiramente omitido) e chama "molho de tomate" ao Molho de Francesinha. Ora, chamar isso ao dito molho, é chamar à Billie Holiday "aquela maluca do jazz" ou ao Sinatra "aquele gajo do Casino". O Molho é o prato, a pedra de toque que "compõe" o mesmo; o maestro que põe todas as peças a tocar harmoniosamente. Chamar-lhe "molho de tomate" é viver o Verão com as persianas fechadas. A Francesinha é simples, pode não ser básica mas é simples: pão, 3, 4 carnes, pão, queijo e o molho a "compor". Comparar a Francesinha à Açorda é comparar uma caixa de legos a uma bola de trapos. É tão bom brinquedo um como o outro. A bola é mais humilde... mas não é melhor nem mais digna por isso. A francesinha é a gorda da turma assim como a açorda é a menina tímida, filha de beata que até tem uns olhos lindos mas a mãe não lhe tira o buço e veste-a para a tapar "que assim é que deve ser". A menina que um dia vai descobrir que ser bonita não é pecado, vai tirar o bigode e vai pôr um vestido de Verão lindíssimo que não lhe roube o ser simples, mas a faça brilhar. Assim a menina, assim a açorda, quando descobriu o camarão surpresa da Cufra e o incorporou.
Infelizmente, nunca tive primos no Alentejo e as azeitonas comi-as sempre em restaurantes. Nas viagens para o Algarve, devo dizer que não guardo grandes memórias dos delírios gastronómicos, dessa meca do gourmet que é Canal Caveira. Mas como conheci o Alentejo antes de conhecer o Algarve, lembro-me de muitas coisas boas, e de outras, como da simplicidade de um tal de Fialho, onde "também se arranjava sempre qualquer coisa para comer" e, imagino eu, se podia pagar a conta com senhas da cooperativa. Ainda o Algarve, só como nota: O Portuense não vai para hotéis caros, vai para apartamento ou casa, se é caro ou não é com cada um. As razões são óbvias e idiossincráticas.

Voltando ao conduto propriamente dito, a frase do dia é "Hoje há Tripas".
As tripas à moda do Porto, para além de darem nome ao habitante da cidade (aproveito para esclarecer alguns iluminados que por aqui passam que, Portuense e Tripeiro significam basicamente o mesmo: natural e/ou habitante da cidade Porto; Portista é o adepto do F. C. do Porto. Sim isto é verdade e não, o mundo não acaba no Colombo nem no C. C. Galáxia em Mem Martins!), são um manjar delicioso.

As tripas são o estômago da Vitela, compreendendo livro, favos e touca. A estas bem lavadas e temperadas com sal e limão, junta-se num tacho, uma mão de vitela. Noutro tacho coloca-se um chouriço de carne, orelheira, carne de um frango, um salpicão e toucinho e noutro ainda, o feijão branco e a cenoura. Retiram-se as carnes à medida que cozem, para depois se juntar tudo num tacho grande, onde já está a estalar uma cebola numa colher de banha de porco (animal muito presente do dito prato). Depois de "apuradinho", serve-se com arroz branco seco, para compensar o tempero.

Ora o bonito do prato é que, mais uma vez, se prova a máxima que por estas bandas não existem restos, existem é muitas formas de fazer comida. A fama de tripeiros terá vindo de vários gestos, de generosidade dos portuenses. Os habitantes da cidade mataram os seus animais e deram a carne, ficando só com as tripas, às expedições que saíam do cais da Ribeira. A primeira, em 1384, para recuperar Lisboa a castela, a segunda e mais importante, em 1415, para a armada que conquistou Ceuta.

Aqui, felizmente, não se costuma deitar comida fora nem passar fome. Não por termos muito, mas por haver sempre para mais um e de se saber fazer do pouco, um pouco mais. Sem doutrinas, nem calças vermelhas nem telemóveis... só com arte. Hoje há Tripas.

2 Comments:

Blogger Poor said...

Generosos como só nós sabemos ser...
Infelizmente a mim nem tripas nem francesinhas e juro que não é por causa da dieta!

11:26 da tarde  
Blogger S. said...

Bem, tu andas a meter molho de francesinha pra veia, não andas?
Dá algum à Rititi para ela experimentar. Dá grande moca e grandes posts também!

7:01 da tarde  

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