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Como as coisas parecem não melhorar aqui pelo Burgo (a não ser o Sol que voltou), decidi avançar para o segundo prato, nesta rubrica, por ora apelidada Não se servem meias doses. Estimada Rititi, traga o vermute para a mesa que a coisa recomeça.
Antes de enfrentar o conduto propriamente dito, repasso ainda algumas notas sobre a o aperitivo da semana passada, a mítica Francesinha.
Escreve a Rititi que a Francesinha não é simples, refere a inefabilidade do fiambre (por mim sorrateiramente omitido) e chama "molho de tomate" ao Molho de Francesinha. Ora, chamar isso ao dito molho, é chamar à Billie Holiday "aquela maluca do jazz" ou ao Sinatra "aquele gajo do Casino". O Molho é o prato, a pedra de toque que "compõe" o mesmo; o maestro que põe todas as peças a tocar harmoniosamente. Chamar-lhe "molho de tomate" é viver o Verão com as persianas fechadas. A Francesinha é simples, pode não ser básica mas é simples: pão, 3, 4 carnes, pão, queijo e o molho a "compor". Comparar a Francesinha à Açorda é comparar uma caixa de legos a uma bola de trapos. É tão bom brinquedo um como o outro. A bola é mais humilde... mas não é melhor nem mais digna por isso. A francesinha é a gorda da turma assim como a açorda é a menina tímida, filha de beata que até tem uns olhos lindos mas a mãe não lhe tira o buço e veste-a para a tapar "que assim é que deve ser". A menina que um dia vai descobrir que ser bonita não é pecado, vai tirar o bigode e vai pôr um vestido de Verão lindíssimo que não lhe roube o ser simples, mas a faça brilhar. Assim a menina, assim a açorda, quando descobriu o camarão surpresa da Cufra e o incorporou.
Infelizmente, nunca tive primos no Alentejo e as azeitonas comi-as sempre em restaurantes. Nas viagens para o Algarve, devo dizer que não guardo grandes memórias dos delírios gastronómicos, dessa meca do gourmet que é Canal Caveira. Mas como conheci o Alentejo antes de conhecer o Algarve, lembro-me de muitas coisas boas, e de outras, como da simplicidade de um tal de Fialho, onde "também se arranjava sempre qualquer coisa para comer" e, imagino eu, se podia pagar a conta com senhas da cooperativa. Ainda o Algarve, só como nota: O Portuense não vai para hotéis caros, vai para apartamento ou casa, se é caro ou não é com cada um. As razões são óbvias e idiossincráticas.
Voltando ao conduto propriamente dito, a frase do dia é "Hoje há Tripas".
As tripas à moda do Porto, para além de darem nome ao habitante da cidade (aproveito para esclarecer alguns iluminados que por aqui passam que, Portuense e Tripeiro significam basicamente o mesmo: natural e/ou habitante da cidade Porto; Portista é o adepto do F. C. do Porto. Sim isto é verdade e não, o mundo não acaba no Colombo nem no C. C. Galáxia em Mem Martins!), são um manjar delicioso.
As tripas são o estômago da Vitela, compreendendo livro, favos e touca. A estas bem lavadas e temperadas com sal e limão, junta-se num tacho, uma mão de vitela. Noutro tacho coloca-se um chouriço de carne, orelheira, carne de um frango, um salpicão e toucinho e noutro ainda, o feijão branco e a cenoura. Retiram-se as carnes à medida que cozem, para depois se juntar tudo num tacho grande, onde já está a estalar uma cebola numa colher de banha de porco (animal muito presente do dito prato). Depois de "apuradinho", serve-se com arroz branco seco, para compensar o tempero.
Ora o bonito do prato é que, mais uma vez, se prova a máxima que por estas bandas não existem restos, existem é muitas formas de fazer comida. A fama de tripeiros terá vindo de vários gestos, de generosidade dos portuenses. Os habitantes da cidade mataram os seus animais e deram a carne, ficando só com as tripas, às expedições que saíam do cais da Ribeira. A primeira, em 1384, para recuperar Lisboa a castela, a segunda e mais importante, em 1415, para a armada que conquistou Ceuta.
Aqui, felizmente, não se costuma deitar comida fora nem passar fome. Não por termos muito, mas por haver sempre para mais um e de se saber fazer do pouco, um pouco mais. Sem doutrinas, nem calças vermelhas nem telemóveis... só com arte. Hoje há Tripas.
Como as coisas parecem não melhorar aqui pelo Burgo (a não ser o Sol que voltou), decidi avançar para o segundo prato, nesta rubrica, por ora apelidada Não se servem meias doses. Estimada Rititi, traga o vermute para a mesa que a coisa recomeça.
Antes de enfrentar o conduto propriamente dito, repasso ainda algumas notas sobre a o aperitivo da semana passada, a mítica Francesinha.
Escreve a Rititi que a Francesinha não é simples, refere a inefabilidade do fiambre (por mim sorrateiramente omitido) e chama "molho de tomate" ao Molho de Francesinha. Ora, chamar isso ao dito molho, é chamar à Billie Holiday "aquela maluca do jazz" ou ao Sinatra "aquele gajo do Casino". O Molho é o prato, a pedra de toque que "compõe" o mesmo; o maestro que põe todas as peças a tocar harmoniosamente. Chamar-lhe "molho de tomate" é viver o Verão com as persianas fechadas. A Francesinha é simples, pode não ser básica mas é simples: pão, 3, 4 carnes, pão, queijo e o molho a "compor". Comparar a Francesinha à Açorda é comparar uma caixa de legos a uma bola de trapos. É tão bom brinquedo um como o outro. A bola é mais humilde... mas não é melhor nem mais digna por isso. A francesinha é a gorda da turma assim como a açorda é a menina tímida, filha de beata que até tem uns olhos lindos mas a mãe não lhe tira o buço e veste-a para a tapar "que assim é que deve ser". A menina que um dia vai descobrir que ser bonita não é pecado, vai tirar o bigode e vai pôr um vestido de Verão lindíssimo que não lhe roube o ser simples, mas a faça brilhar. Assim a menina, assim a açorda, quando descobriu o camarão surpresa da Cufra e o incorporou.
Infelizmente, nunca tive primos no Alentejo e as azeitonas comi-as sempre em restaurantes. Nas viagens para o Algarve, devo dizer que não guardo grandes memórias dos delírios gastronómicos, dessa meca do gourmet que é Canal Caveira. Mas como conheci o Alentejo antes de conhecer o Algarve, lembro-me de muitas coisas boas, e de outras, como da simplicidade de um tal de Fialho, onde "também se arranjava sempre qualquer coisa para comer" e, imagino eu, se podia pagar a conta com senhas da cooperativa. Ainda o Algarve, só como nota: O Portuense não vai para hotéis caros, vai para apartamento ou casa, se é caro ou não é com cada um. As razões são óbvias e idiossincráticas.
Voltando ao conduto propriamente dito, a frase do dia é "Hoje há Tripas".
As tripas à moda do Porto, para além de darem nome ao habitante da cidade (aproveito para esclarecer alguns iluminados que por aqui passam que, Portuense e Tripeiro significam basicamente o mesmo: natural e/ou habitante da cidade Porto; Portista é o adepto do F. C. do Porto. Sim isto é verdade e não, o mundo não acaba no Colombo nem no C. C. Galáxia em Mem Martins!), são um manjar delicioso.
As tripas são o estômago da Vitela, compreendendo livro, favos e touca. A estas bem lavadas e temperadas com sal e limão, junta-se num tacho, uma mão de vitela. Noutro tacho coloca-se um chouriço de carne, orelheira, carne de um frango, um salpicão e toucinho e noutro ainda, o feijão branco e a cenoura. Retiram-se as carnes à medida que cozem, para depois se juntar tudo num tacho grande, onde já está a estalar uma cebola numa colher de banha de porco (animal muito presente do dito prato). Depois de "apuradinho", serve-se com arroz branco seco, para compensar o tempero.
Ora o bonito do prato é que, mais uma vez, se prova a máxima que por estas bandas não existem restos, existem é muitas formas de fazer comida. A fama de tripeiros terá vindo de vários gestos, de generosidade dos portuenses. Os habitantes da cidade mataram os seus animais e deram a carne, ficando só com as tripas, às expedições que saíam do cais da Ribeira. A primeira, em 1384, para recuperar Lisboa a castela, a segunda e mais importante, em 1415, para a armada que conquistou Ceuta.
Aqui, felizmente, não se costuma deitar comida fora nem passar fome. Não por termos muito, mas por haver sempre para mais um e de se saber fazer do pouco, um pouco mais. Sem doutrinas, nem calças vermelhas nem telemóveis... só com arte. Hoje há Tripas.
2 Comments:
Generosos como só nós sabemos ser...
Infelizmente a mim nem tripas nem francesinhas e juro que não é por causa da dieta!
Bem, tu andas a meter molho de francesinha pra veia, não andas?
Dá algum à Rititi para ela experimentar. Dá grande moca e grandes posts também!
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