quinta-feira, maio 19, 2005



Ninguém sabe quem é o homem que apareceu a vaguear numa rua do pequeno porto de Sheerness, na ilha de Sheppey. Os jornais dizem que tem entre 20 e 30 anos, que é mudo, que é alto e magro e que tem um olhar melancólico e assustado. Que, colocado diante de um piano, se revelou um virtuoso daquele instrumento, embora possuidor de um repertório limitado. É possível imaginar que tenha tocado, de memória, passagens inteiras do “Prometheus” de Alexander Scriabin, os dedos enlouquecidos voejando sobre as teclas, os olhos subitamente esquecidos da melancolia e do medo, totalmente concentrados no piano e só no piano. Os jornais dizem ainda que o homem a que chamaram Piano Man apontou para uma bandeira sueca e que, por isso, se pensou que fosse Martin Sturfält, 26 anos, intérprete de música clássica que teria viajado para Londres a fim de estudar. Mostrado na televisão, foi identificado por um mimo polaco que trabalha nas ruas de Roma, o qual garantiu que o mudo é Steven Massone, pianista e vagabundo das ruas de Nice. Para além destas duas possíveis identidades, o Piano Man pode ser qualquer pessoa desaparecida em qualquer canto do mundo. O Piano Man pode ser apenas um homem que não quer ser recordado, ou que quis esquecer-se da vida. Ou apenas um homem que gosta de passear calado pelas bordas dos cais e dos rios, contemplando as águas com olhos melacólicos. Seja Martin ou Steven, Carlos ou Vincent, Lucas ou Mateus, Pablo ou Gianfranco, creio que ele é apenas um anjo.

Manuel Jorge Marmelo, no Nariz de Ferro.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Pode ser também um clandestino com uma abordagem altamente poética...

12:23 da tarde  

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